Por: Josias de Souza:
De tempos em tempos, o pensamento humano é submetido a reviravoltas. Velhas certezas viram lixo. Copérnico, por exemplo, esmigalhou a autoestima da humanidade ao revelar que a Terra não é o centro do Cosmo. Agora, num desafio a Copérnico, o PT sepulta o ex-PT ao converter Renan Calheiros no próprio Cosmo.
Nesta terça, Renan esteve no Planalto. Foi testemunhar a posse do ministro Ricardo Berzoini, o novo gerente do balcão. A caminho da porta de saída, Renan foi puxado para fora do elevador pelo líder de Dilma Rousseff no Senado, Eduardo Braga. Conduzido ao gabinete do superministro Aloizio Mercadante, Renan foi informado sobre os planos do governo para enterrar a CPI da Petrobras.
Suprema ironia: em passado nem tão remoto, Mercadante atuara como torquemada na CPI que levara Fernando Collor ao impeachment, em 1992. Agora, tricota com Renan, ex-líder do governo Collor, para enterrar uma investigação parlamentar. Sob aplausos de Collor, hoje um senador do PTB, feliz integrante do consórcio governista.
Armou-se uma coreografia de três passos. No primeiro, Renan leu em plenário o requerimento de CPI apresentado pela oposição. Tem como alvo quatro petroencrencas, entre elas a compra da refinaria de Pasadena. No segundo, a petista Gleisi Hoffmann, espécie de leoa de Dilma, apresentou recurso impugnando o pedido, sob a alegação de que CPI deve prever a investigação de um fato determinado, não quatro.
No terceiro lance, Renan trouxe à luz um segundo pedido de CPI, de autoria do líder do PT, Humberto Costa. Inclui os quatro itens da oposição e mais três: o cartel dos trens e do metrô de São Paulo, a estatal mineira Cemig e o porto pernambucano de Suape. Entre os 32 subscritores do requerimento, está Gleisi. Dessa vez, coube ao líder tucano Aloysio Nunes recorrer contra a tentativa de “grilagem” de CPI alheia.
Renan ‘Cosmo’ Calheiros informou à plateia que decidirá sozinho o que fazer com os dois pedidos de CPI. Prometeu revelar sua magnânima decisão nesta quarta-feira. Pela vontade de Dilma Rousseff, ambos os requerimentos vão ao arquivo.
Numa versão light da manobra, Renan deixaria em pé apenas a CPI mais ampla, que mistura a Petrobras com os temas pinçados para importunar os rivais Aécio Neves e Eduardo Campos. Faria isso porque quando há muito por investigar nada é investigado. E o Cosmo do Senado, a exemplo de Dilma, não tem interesse em puxar os diáfanos véus da Petrobras, uma empresa na qual Renan apadrinhou patrióticas nomeações. Aécio ironizou: por que nenhuma liderança governista declara que a compra da refinaria de Pasadena foi um ótimo negócio para o Brasil?
Com dois pedidos de CPIs já lidos em plenário, o Senado precisa de um terceiro requerimento. Deve-se iniciar a coleta de assinaturas para a instalação de uma CPI destinada a investigar a avacalhação do instituto da CPI. A companheira Gleisi Hoffmann talvez se abstenha de recorrer, já que não há no Senado nenhum fato mais determinado do que o autoachincalhe.
Depois da CPI dos Correios, na qual Duda Mendonça escancarou as valerianas arcas que deram no mensalão, o PT desenvolveu uma técnica para sufocar CPIs. A fórmula inclui um presidente e um relator companheiros e uma maioria de membros da base aliciada. O medo de que a Petrobras evolua de um incômodo para um escárnio açulou a criatividade do petismo.
Autoproclamado “senador da República, não da Presidência da República”, Pedro Taques, do governista PDT, resumiu a nova empulhação: “Caminhamos para a inviabilização de todas as CPIs. Agora, quando a minoria quiser exercer o direito constitucional de investigar o governo, a maioria apresenta novo requerimento propondo, por exemplo, a investigação da obra do Divino Espírito Santo. E nada mais será investigado.” Taques foi ao ponto: “Querem investigar o cartel de São Paulo? Ótimo. Façam um requerimento e serei o primeiro a assinar. Mas não venham fazer chicana com a CPI da Petrobras!''
Renan, o Cosmo, dará a palavra final sobre a administração da fúria investigatória que varre o Senado. O barulhinho que você ouve ao fundo é o ruído de Copérnico se revirando no túmulo e perguntando de si para si: isso tudo foi uma pegadinha de 1º de abril?
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